segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O que é mesmo um autor?

Por Kelly Cristina Reis - Setor de Comunicação,UFFS, Erechim

Um do nomes em ascensão dentro do cenário literário brasileiro, Miguel Sanches Neto esteve, nesta quinta-feira (25), visitando a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – Campus Erechim. A convite do Programa Artístico-cultural Sinestésicos, o escritor paranaense, que também é crítico literário e professor universitário, veio a Erechim para falar sobre Literatura. O público presente à palestra ficou encantado com a forma simples e clara com que Miguel falou sobre sua vida, sua obra e sua longa trajetória no processo de formação como escritor.
            Miguel tornou-se conhecido a partir de seu romance “Chove sobre minha infância”, lançado em 2000, e que foi traduzido para a língua espanhola em 2005. Mas foi com o livro de contos “Hóspede Secreto” que o escritor venceu, em 2002, um dos mais prestigiados concursos da literatura brasileira, o Prêmio Cruz e Souza. Sua obra ainda inclui poesias, crônicas, ensaios, o que o torna um escritor bastante eclético. Como crítico literário, escreveu mais de 600 artigos sobre literatura. Já contribuiu para veículos de imprensa como a revista República, Bravo!, os jornais O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde, Jornal do Brasil. Há 17 anos é responsável por uma coluna semanal no maior jornal do Paraná, Gazeta do Povo.
            Confira abaixo entrevista concedida pelo escritor:

1) O senhor, além de escritor e crítico literário, é professor universitário (Universidade Estadual de Ponta Grossa-PR). Qual a sensação de ministrar disciplinas de Literatura na graduação, sobretudo quando há desinteresse dos acadêmicos? Além disso, o senhor acha que há uma metodologia para ensino de Literatura que não esbarre em teorias literárias?
Miguel Sanches Neto – Para mim, a Literatura é muito mais do que uma disciplina, ela é a própria síntese da existência humana. Eu me dedico a ela desde muito jovem e de forma      completa. É claro que quando você dá aula de Literatura nem sempre as pessoas que estão        do outro lado tem essa mesma relação de intensidade. Desta forma, eu acabo convivendo com pessoas, alunos, e até mesmo professores para quem a Literatura é apenas uma disciplina que termina no final do semestre. Há um descompasso entre essas duas formas de      ver a Literatura, mas apesar disso acredito que o papel do professor é justamente o de tentar diminuir a distância entre os alunos que não gostam de Literatura e ele, que tem essa verdadeira fascinação literária. Dar aula sem usar as teorias, ou ao menos sem colocar a teoria na frente da Literatura, tem sido a minha história como professor. A tendência nas universidades do mundo é de fazer uma leitura da literatura de forma secundária a partir das teorias literárias. Sem desprezar as teorias literárias, eu tento fazer uma leitura de Literatura mesmo. Praticamente toda a minha trajetória dentro da universidade como professor de Literatura Brasileira, que é a minha disciplina, é tentando ler os livros mas importantes e relevantes e ao mesmo tempo fazer com que os alunos entendam que aqueles        livros são muito mais do que uma disciplina, são quase que uma chave para a compreensão do mundo.

2) O senhor escreve em blog, twitter, tem contos adaptados para o cinema. Isso tem relação com as teorias do “fim do livro”? O senhor acredita na internet como espaço de difusão da Literatura?
Miguel Sanches Neto – Eu acredito na internet como um grande espaço da microcrítica de leitor de Literatura. Se você acompanhar hoje os blogs, os twitter, você vai perceber que os mais variados leitores, desde aquele que não tem nenhuma formação específica, estão dando opinião sobre livros. E essa opinião do leitor, no momento em que a grande mídia dedica um espaço muito pequeno para a Literatura, vai ser cada vez mais importante para a difusão do livro. Assim, a internet se torna um espaço relacional em que fruidores conversam com fruidores, em que autores conversam com seus leitores, em que os leitores conversam com seus autores construindo uma outra malha crítica que não aquela que é estabelecida pelos grandes meios de comunicação e pela universidade. Por outro lado, acredito que a internet não representa o fim o livro. Tive esta comprovação quando participei, há alguns anos, de um debate no “Itaú Cultural”, em São Paulo, em uma mesa em que a conversa era “Literatura impressa e Literatura de internet”. Eu fui para o debate como representante da Literatura impressa, enquanto os outros três componentes da mesa eram autores de blog. Ao final do debate eu perguntei para os blogueiros qual o maior sonho deles, e a resposta foi unânime: publicar um livro. Desta forma podemos descrever a internet como espécie de antessala do livro, e como antessala ela só se justifica pela existência do livro. Acredito que não estejamos vivendo a era do fim do livro, mas sim uma nova era de divulgação e comunicação dos livros.

3) As experiência literárias on-line já tem status de “arte”?
Miguel Sanches Neto – O texto terá status de arte se for bom tanto escrito no papel quanto escrito na internet. Mas existem algumas criações literárias que não são possíveis no papel e que precisam do suporte da internet para acontecer. Como exemplo temos poemas visuais, poemas que trabalham com movimento, textos que dialogam com o cinema, com artes plásticas, que muitas vezes adquirem status de arte pela sua qualidade. Acho que o grande momento de cisão disso foi anterior à internet, mais precisamente na década de 50 e 60 quando a Poesia Concreta começou a tirar os textos dos seus suportes e linguagens tradicionais e transferi-los para uma “linguagem mais voltada para a publicidade”. De lá para cá, com a chegada da internet as possibilidades de criação de “textos”, utilizando essas novas mídias, só cresceu, revelando textos muito bons dentro dessa mova tendência. O site do poeta concretista Augusto de Campos é extremamente didático para a gente compreender essa passagem do texto impresso no papel para a imagem, e agora imagem com movimento e com som.

4) Em seu livro “Chove sobre a minha infância”, e em muitos contos, como o “Hóspede Secreto”, há um tratamento contínuo do prosaico e do interiorano. Além disso, o senhor permanece dando aulas no interior, ainda que tenha alcançado importância nacional. Como é essa relação entre o senhor e as “coisas interioranas”?
Miguel Sanches Neto – Eu me sinto completamente em casa quando eu estou no interior. Para mim, a cidade quanto menor, melhor. É claro que com o avanço, principalmente tecnológico, a periferia passou a ser muito próxima do centro, e só foi possível eu me manter no interior devido à internet porque hoje você pode ter uma vida absolutamente universal a partir de qualquer lugar que tenha internet. Sempre me perguntam onde eu moro e eu brinco dizendo que moro dentro do meu computador porque ele me permite estar em vários lugares ao mesmo tempo que eu estou no interior.  Por outro lado, as cidade brasileiras de pequeno e médio porte estão alcançando um nível de urbanização e desenvolvimento que as torna diferentes das cidades do interior da minha infância que eram completamente isoladas, onde nem ao menos sabíamos o que acontecia nas cidades próximas. Hoje elas permitem que tenhamos uma vida cosmopolita. Assim, eu posso resumir a minha relação com o interior como sendo contínua sob dois pontos de vista: o da memória, que é muito vinculado àquela cidade do interior do passado, e o ponto de vista do meu dia a dia, onde eu me sinto muito bem na cidades menores. Acredito que estamos progredindo no sentido de que cada vez as cidades do interior tem uma maior presença neste “concerto de vozes” que é a cultura.

5) O senhor é um escritor bastante eclético: romancista, poeta, cronista, contista. Com a maturidade que tens hoje como escritor, qual o gênero com que te sentes mais à vontade?
Miguel Sanches Neto – Com certeza o romance porque ele é um resumo de todos os textos literários. O romance, segundo o escritor americano A. Alvarez, é um “monstro flácido”. Isso se justifica porque ele é grande e porque podemos ir acrescentando coisas que o “corpo” dele suporta, e que o poema e o conto não conseguem suportar. Essa sua natureza em expansão permite que o escritor traga, de outros gêneros, experiências e linguagens que podem ser aplicadas dentro do romance. De tal forma que o romance não tem uma estrutura definida permitindo que você invente utilizando, por exemplo, um romance utilizando a estrutura de ensaio, ou um romance fazendo uso da estrutura das memórias, diários ou contos, até mesmo mesclando essas estruturas. Existe um livro na Literatura Brasileira que é paradigmático nesse sentido, que é Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Se você for ler Vidas Secas como um romance, ele funciona perfeitamente, mas também é possível isolar e ler cada capítulo como contos. Assim, o romance - pela sua natureza amorfa- , é um gênero mais interessantes para quem, como eu, produz vários gêneros, porque podemos, pelo romance, ser contistas, ser poetas, ensaístas, críticos. Essa mescla que ele permite me fascina muito. Em contrapartida, o texto mais descontraído e mais prazeroso para mim é a crônica por ser muito momentânea e por dialogar muito proximamente com o leitor.

6) Trabalhas em alguma obra atualmente?
Miguel Sanches Neto – Estou terminando a revisão de provas de um livro de contos que se chamará “Então você quer ser escritor?”. São contos que venho escrevendo nos últimos 7 anos, e que foram solicitados, principalmente, por organizadores de antologia ou revistas. Alguns desses  textos falam da trajetória de escritores e outros falam do interior e da infância, que são temas dos quais eu gosto muito



Um comentário:

  1. Oiii!!!!

    Lá no meu blog tem um prêmio para esse blog!!! hehe Arte e cultura sempre é bem vinda!!! hehe bjos ;)

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